A inteligência coletiva nas empresas

janeiro 15, 2019


Há algum tempo, no âmbito do meu trabalho de coach empresarial, fui contactada pelo dono de uma empresa portuguesa. A empresa já faturava alguns milhões de euros, tinha cerca de 200 colaboradores, mas há alguns anos que estava estagnada. O mercado apresentava alguns desafios novos e o empresário sentia que não estava a conseguir dar resposta. O patrão estava exausto. Sentia que vivia para a empresa e que, mesmo assim, o tempo não chegava. Sentia que queria crescer mas não estava a conseguir. Neste contexto pediu-me para lhe dar uma ajuda a identificar os problemas e a encontrar a solução.


No processo de identificação dos principais problemas, entrevistei as chefias intermédias, fiz um diagnóstico mais detalhado ouvindo as várias partes. Aquilo que detectei foi que toda a estrutura funcionava como robots. As pessoas, mesmo aquelas que pareciam ser altamente competentes e com conhecimento técnico sobre os processos internos, estavam tão condicionadas pelas decisões do líder da empresa, que não ousavam questionar, que não pensavam ser possível fazer de forma diferente, que não pensavam na melhor forma de fazer as actividades da empresa, apenas executavam ordens.


Qualquer decisão desde uma definição estratégica importante até à marca dos clips que se compravam, passavam pelo crivo do patrão. Todas as decisões estavam totalmente centradas no líder da empresa, que era também o único dono. Ele tinha que saber tudo, ele tinha opinião sobre tudo e nem sequer abria a porta a ouvir os outros.


Com algum cuidado fui questionando os colaboradores que me pareciam menos conformados com esta situação qual a razão para não partilharem a opinião, para não pensarem diariamente na melhor forma de fazer o seu trabalho e resposta foi muito surpreendente:
“Mariana, um dia tentei… a resposta que recebi foi que estava na empresa para executar e não para pensar. Nesse dia percebi que não valia a pena pensar, apenas executar seguindo os processos definidos. Na verdade é uma situação que até é confortável, fazemos apenas o que nos mandam e se cumprirmos está tudo bem!”






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Infelizmente esta forma de pensar é mais comum do que podemos pensar. A maioria dos executivos acredita que a sua forma de pensar é certamente a mais correta. Que eles, por uma questão de experiência e também de responsabilidade, têm de ter as respostas para tudo e que procurar os outros na pesquisa das respostas é um sinal de fraqueza. Gostam de massajar o seu ego com a ideia de que são insubstituíveis, que fazem tudo melhor que os seus colaboradores e, por isso, tendem a querer concentrar neles todas as decisões.


Na minha opinião, a liderança de uma empresa ou de uma equipa passa exatamente por aproveitar as melhores ideias da equipa, desenvolvê-las com os contributos de todos e construir um futuro muito mais forte. Há um ditado popular que diz que 2 cabeças pensam melhor do que uma, e eu acredito mesmo nisso. É na diversidade de opinião que as empresas crescem. É na discussão saudável que se constroem os melhor projetos.


Claro que as empresas não devem ser uma democracia, claro que os líderes têm como função tomar as decisões finais, mas no processo é muito importante ouvir as opiniões da equipa, é importante envolvê-los nos processos para que eles se sintam parte da organização.
As organizações ou as equipas em que tudo está dependente do líder, sofrem do problema de estrangulamento. As decisões e os processos acabam todos por se atrasarem pois ficam todos dependentes do tempo que estes líderes deixam de ter.


O outro lado negativo deste tipo de equipa ou organização está relacionado com a desmotivação de todos os colaboradores. Os bons colaboradores são aqueles que gostam de desafios, que gostam de sair da sua zona de conforto. Em organizações como as descritas, o que acontece é que eles se sentem presos, em que eles se começam a sentir robots, em que as suas capacidades de inovação e de pensar são postas completamente de lado. Neste caso duas coisas podem acontecer, ou os colaboradores se acomodam e acabam a entrar no modo rotina ou, quando já não aguentam mais, vão se embora em busca de novos desafios.


Quando sou contratada por empresas ou executivos que estão neste modo, a solução não é simples nem rápida pois a alteração de mentalidade é complexa e, muitas vezes, a organização já está de tal forma formada para este funcionamento que não reage bem à mudança.


Para o líder é muito duro passar por uma fase em que as suas opiniões são questionadas, deixando de estar numa organização de “sim, senhor!”. Passando a viver num ambiente em que as pessoas podem expressar livremente a sua opinião, mantendo obviamente a cordialidade mas sem julgamentos. Todos os colaboradores, de todos os níveis hierárquicos, devem ter oportunidade de dar a sua opinião, o que está a correr bem e o que está a correr menos bem e de dar sugestões sobre as alterações que podem ser feitas.


Por outro lado, para a liderança, perder o controlo absoluto sobre todas as decisões também é um processo difícil. O processo de delegação é sempre um processo doloroso, pois aumenta o nível de risco que, às vezes, os líderes não estão preparados para gerir.


No caso que contei no início do texto, o processo demorou cerca de um ano e meio a ser solucionado e passou por um trabalho conjunto com o patrão e com os diretores mais influentes que ainda estavam disponíveis para abraçar este desafio. Paulatinamente fui mostrando ao patrão as vantagens de, numa primeira fase, ouvir as opiniões dos diretores mais influentes, e depois de alargar a todos os colaboradores a possibilidade de expressarem a sua opinião de um forma honesta.


Quando esta fase estava bem encaminhada, começámos a analisar os prazos dos processos internos para demonstrar que andavam mais devagar devido ao líder não conseguir dar respostas atempadamente a todos os pedidos. Uma forma de dar resposta a este estrangulamento era começar a delegar processos e decisões nas chefias intermédias.


O processo de delegar algumas autorizações às chefias intermédias foi tratado com muito cuidado para ficar sistematizado o que era suposto ser executado em cada processo e criarmos a monitorização que nos garante a qualidade dos mesmos. É muito importante que, quando pensamos em delegar, sejam em paralelo garantidos os processos de controlo.
Delegar não é abdicar.
Para garantir que os riscos são controlados, e para dar a segurança necessária ao líder, é fundamental que através de indicadores ele consiga acompanhar a performance da equipa, garantir que as decisões estão a levar a empresa no melhor caminho.


Posso garantir que o processo foi desafiante, mudar mentalidades não é simples e só teve sucesso porque o próprio patrão se estava a sentir exausto pela forma como levava o negócio antes. É fundamental que o líder esteja totalmente ciente da necessidade de mudança, senão nada irá funcionar.

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